Lidamos com tantos conflitos geracionais, tantas reclamações de pais e vivemo-nas também, com toda certeza e ficamos a pensar o porquê de tudo isso.
É que nos últimos trinta anos, o modelo tradicional de família passou por alterações significativas. A idéia dos pais como senhores dos destinos dos filhos vem desabando progressivamente, no ritmo das transformações sociais.
Isso é reflexo da perda de legitimidade. Até pouco tempo atrás, a sociedade era hierarquizada, de forma que havia sempre um único lugar de destaque. Ele podia ser ocupado por Deus, ou pelo Papa, ou pelo pai, ou pelo chefe, isso foi se desfazendo progressivamente, e o processo se acentuou na contemporaneidade. Hoje a organização social não está mais constituída como pirâmide, mas como rede. E na rede não existe mais este lugar diferente, que era reconhecido espontaneamente como tal e que conferia autoridade aos pais. As dificuldades para impor limites se acentuaram, causando grande apreensão nas pessoas quanto ao futuro de seus filhos. Todos os pais de todas as classes sociais estão sofrendo deste mal e não sabem como educar seus filhos. Não existem fórmulas para evitar que eles sigam por um caminho errado. Portanto, é necessário ensiná-los a falhar.... Uma coisa que é certa na vida é que os filhos vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Todo mundo em algum momento, vai passar por isso. E é exatamente isso que os fazem aprender. Aprender a lidar com o fracasso. Às vezes é preciso lembrar coisas muito simples que parece termos nos esquecido completamente. Estamos como que dopados. Os pais sabem que os filhos não ficarão com eles a vida inteira, que não lhes pertencem, que são apenas depositários de uma tarefa árdua, que eles não vão conseguir tudo o que sonharam, que vão estabelecer ligações sociais e afetivas que, por vezes, lhes farão mal, mas tentamos agir como se não soubéssemos disso. Os filhos se tornaram um indicador do sucesso dos pais e isso é perigoso e injusto porque eles têm vida própria, são espíritos únicos e singulares. Não é justo que além de carregarem o peso das próprias dificuldades, também tenham que suportar a angustia de falhar em relação à expectativa depositada neles. Hoje os pais precisam discutir, negociar o que antes eram ordens definitivas. E não há obediência. Mudou muita coisa não é mesmo? A questão é que não nascemos humanos, nós nos tornamos. Isso ocorre quando aprendemos que somos aquilo em que somos singulares, aprendemos que temos características muito especiais, como por exemplo, a consciência de que somos mortais. Aprendemos a construir as pontes que levam a um entendimento superior do mundo e de nossa condição. Isso é o que nos torna completamente humanos. O processo de humanização começa pelo entendimento de que jamais haverá satisfação completa para qualquer um de nós. É esse o curso saudável das coisas e precisamos descobrir-las por nós mesmos. Se nós pais boicotarmos este processo, podemos estar cometendo um erro, porque cada um tem seu tempo de aprender e não pode ser uma coisa forçada. Os filhos têm que ser confrontados com essa perda de satisfação porque a vida não irá poupá-los. Não há como ficar com a chupeta a vida inteira na boca.
Não existem milagres, mas há tentativas interessantes em fazer o trabalho de suportar as frustrações, as impossibilidades, os limites. O importante é buscar os recursos disponíveis.
Uma família organizada de forma aparentemente harmônica não necessariamente faz de um jovem uma pessoa capaz de conviver e suportar o sofrimento inerente à condição humana. Essa capacidade pode ser pequena em famílias aparentemente realizadas, com estrutura sólida.
*Cleide Semenzato é colaboradora
Artigo publicado no Jornal A Cidade de Votuporanga no dia 02 de dezembro de 2011