O mundo, como sempre, está mudando. Mas há uma diferença. Os avanços e as mudanças sociais, políticas e educacionais dos últimos anos atingiram a sociedade com velocidade impressionante. Este impacto se traduz numa crescente crise de valores, exigindo que posições e opiniões anteriormente imutáveis sejam revistas. Há uma necessidade de aprender, de descobrir e de, principalmente, desenvolver uma sensibilidade adequada a estes novos tempos. Para a Dra. Zita Lago, cujo trabalho abrange a problemática da gestão educacional, da ética, da educação e da cidadania, temas sobre os quais tem diversas publicações, entre livros e artigos, os profissionais da educação devem aprender a “conviver com as buscas, a sensibilidade, a ação prudencial e sábia de um sujeito capaz de respostas emergentes, entendendendo a condição técnica, política e ética de sua função”.
Licenciada em Filosofia, pós-graduada em Ética e Filosofia Política pela UFPR, Mestra e Doutora em Educação, com Ph.D. pela WIU-USA, a dra. Zita Lago concedeu esta entrevista exclusiva, na qual disserta sobre ética, gestão educacional e as novas relações do profissional da educação com sua realidade.
Atividades & Experiências - ÉTICA E MORAL, COMO SE CONJUGAM?
Dra. Zita Lago - Entendemos que, como toda a palavra polissêmica, a Ética é passível de diversas interpretações. Consiste em reflexões sobre os códigos morais e as práticas factuais do campo da moralidade humana e se presentifica em momentos nos quais rompem-se padrões, normas e princípios e se fazem imprescindíveis reflexibilidades, racional e dialogicamente postas, com vistas a elucidar tais práticas ou a substituí-las. Seu étimo no grego “ethikós” cuja conexão com “ethós”, que significa hábito, costume, morada habitual, jeito de ser, liga-se àquele lugar interno do sujeito no qual se forma a noção de BEM, no tocante a sua realização pessoal, sua maneira de agir e de ser e à noção do JUSTO (justiça), enquanto se consideram suas relações no amplo campo do social, quando as relações de alteridade (lugar do outro) se fazem necessárias. Diferentemente da moral, cuja função é a construção de conjuntos de normas e prescrições no tocante ao exercício das relações e interrelações, buscando assegurar uma vida harmônica e justa para o grupo, a ética, ao analisar e refletir sobre tais princípios, posiciona-se no campo do “dever ser” e empenha-se em elaborar considerações sobre ele e sobre os meios para atingi-lo. Suas reflexões sobre a essencialidade das normas, valores e princípios de uma realidade factual, exigem radicalidade (de raiz), profundidade e englobância no sentido de clarificar os fins últimos da vida humana, orientando-a para o máximo de perfectibilidade, justeza e adequabilidade. A ética visa refletir sobre as posições dos indivíduos frente aos estatutos e normas, códigos e imperativos; a moral as impõe, determina e fundamenta historicamente, sendo portanto, ambas factíveis de mudanças, transformações e aprimoramentos
A&E - COMO VOCÊ AVALIA A QUESTÃO DA ÉTICA NO COTIDIANO ESCOLAR?
Dra. Zita Lago - Restam poucas dúvidas que o exercício profissional marca a existência de cada um de nós, mexendo com a inteligência, a afetividade, os princípios e os valores. No caso da educação escolarizada é relevante destacar que a profissão docente é ética por excelência; é um ato de “professar”, ou seja, exercer pública e socialmente o ato ético de contribuir na formação de pessoas (conduzindo e influenciando ações), no qual é constante a necessidade de decidir, de agir prudentemente, enfim, de proceder escolhas e valorações.
A&E - ÉTICA E GESTÃO EDUCACIONAL NO CONTEMPORÂNEO. COMO INTERLIGAR ESSES CONCEITOS?
Dra. Zita Lago - O ato ético dificilmente é captado em sua totalidade pelo discurso ético, portanto estabelecer uma universalidade ou objetividade para ambos é extremamente difícil. Tal ato implica em conflitos que se manifestam nas relações cotidianas intersubjetivas, e a eticidade se qualifica tanto mais por sua problematicidade do que por outras formas de ser. No exercício da gestão educacional há reflexões pertinentes a serem procedidas constantemente, uma vez que ela implica em posturas e ações de decisão, escolha e valorações. A hipercomplexidade das interrelações e interações na contemporaneidade, na qual um conjunto unitário e universal de valores não abarca todas as suas implicações, exige a presentificação (de um corolário) da diversidade, da multiplicidade, da diferença que se impõe ao olhar. Ao gerir sujeitos e instituições educativas é central a necessidade de enfrentar os desafios cotidianos com a ousadia da inovação, do diálogo e da prática de princípios e valores incontestáveis como a solidariedade, a justiça, o respeito mútuo, entre outros. Por si só, isso leva a interligação entre a reflexidade ética e o exercício de uma gestão educacional competente e prudente.
A&E - QUANTO A FORMAÇÃO ÉTICA DOS GESTORES EDUCACIONAIS, ELA PODE SER CONSIDERADA ADEQUADA?
Dra. Zita Lago - A dialética entre formação/atuação profissional propõe-se como desafiadora para qualquer instituição, de modo especial para aquelas do campo educativo.
Há que se considerar diversos aspectos aos quais a questão da formação/atuação do gestor educacional se vincula; há o tipo de escola, que se distingue por sua estrutura, tipologia, formas de gestão, projetos pedagógicos, metodologias de ação, compromisso docente/discente, relações com a comunidade, dimensões educativas mais liberais, tradicionais, progressistas ou libertárias; enfim, a diversidade de fatores a serem considerados e marcante.
Certamente que, a formação que se recebe inicialmente não abarca essa totalidade, porém, acreditamos conforme P. Lévy (1998), que o essencial reside em conjugar essa formação inicial com processos complementares de atualização, qualificação e experienciações, nos quais se conjuguem estilos de liderança e gestão ligados a pedagogias e aprendizados personalizados ou em redes comunicacionais e dialogais. Na contemporaneidade o gestor educacional, por excelência, deve caracterizar-se como “um animador da inteligência coletiva” de sua comunidade escolar, orientando os percursos individuais e comunitários de seus colaboradores/cúmplices na tarefa de gerir eticamente a escola. Deve atender as diferenças, desenvolvendo senso de responsabilidade e crítica, abrindo-se para o diálogo e estimulando o espírito de co-laboração e co-atuação (elaborar e atuar em conjunto). É processo de aprimoramento constante da formação/atuação do gestor educacional.
A&E - NUMA SOCIEDADE CAMBIANTE COMO A DA ATUALIDADE, É POSSÍVEL PENSAR-SE UMA ÉTICA QUE DÊ CONTA DE SEUS DESAFIOS?
Dra. Zita Lago - A idéia de uma sociedade cambiante leva à idéia de uma crise de valores, que tem permeado os diálogos sociais e acadêmicos na contemporaneidade. Os sinais dessa crise estão aí, exigindo que os paradigmas para estes tempos novos sejam revistos. Hoje, muito mais do que um paradigma ético universalista, necessita-se exercitar possibilidades, reflexibilidades e alternativas, que contemplem as diversidades e complexidades de base. Se as questões se apresentam diversas e complexas, certamente as respostas (ou possibilidades) devem também ser dessa ordem. Se as racionalidades cognitivo-instrumentais da modernidade não mais respondem às questões e desafios do contemporâneo, necessita-se exercitar outras formas de razão, sendo fundamentais aquelas de ordem dialogal, estética, ética, ecológica e, acima de tudo, verdadeira e demasiadamente humanas.
A&E - QUAL SUA OPINIÃO SOBRE UMA EDUCAÇÃO VOLTADA PARA A COMPLEXIDADE?
Dra. Zita Lago - A linearidade do paradigma científico dominante não mais esgota as necessidades humanas no contemporâneo. Não é questão de negar suas evidentes benesses, mas de acentuar seus aspectos críticos e fulcrais, polissêmicos e estruturais. A contestação dos valores da modernidade gerou dentro dela mesma sua crise, diz-nos Boaventura S.Santos (1999). E os paradigmas emergentes ainda não estão suficientemente solidificados para dar conta dos desafios complexos que se apresentam, de modo especial, para a “educação do homem” e para as instituições que dela tratam. É preciso pensar, reflexionar, problematizar, como nunca dantes feito, tal realidade educativa, compartilhando experiências, intervindo nas formas estruturais da ação educativa, considerando-se fatores e fenômenos que historicamente foram desconsiderados. Uma educação voltada para a complexidade, antes que certezas, presentifica angústias, ambigüidades, multiplicidades, cujos núcleos axiológicos ainda estão em construção. É função para aqueles que, muito mais do que nos “eus”, pensam os “nós” da tarefa educativa; para aqueles que acreditam e compartilham ideais de solidariedade, justiça, fraternidade e paz.
A&E - COMO O GESTOR EDUCACIONAL DEVE LIDAR COM ESSA COMPLEXIDADE?
Dra Zita Lago - Presentificando a diversidade, promovendo ações valorativas e atitudes ambientalmente sadias, justas e humanas. Abrindo-se para o diferente, o inusitado e o complexo, a gestão educacional deve reparar as questões cruciais que se colocam quando relações e interações entre pessoas se fazem presentes, visualizando éticas, estéticas e ecologias humanas e contextualmente situadas, buscando sintonia com tecnologias, artefatos e mentefatos, em acordo com os tempos de mutação que se desenham. O gestor educacional deve lembrar “que o caminho se faz ao caminhar” e, muito mais do que certezas, deve-se conviver com as buscas, com a sensibilidade, a ação prudencial e sábia de um sujeito capaz de respostas emergentes, entendendo a condição técnica (fazer), política (poder) e ética (sabedoria) de sua função. É entender-se na condição de assumir a responsabilidade pessoal e interpessoal por seus atos e pelos atos de sua comunidade escolar, enquanto frutos de uma tarefa de comum+ação. Morin (1998) diz que apenas uma ética solidária-cooperativa-comunitária e embasada numa intenção de qualidade do que se pensa e faz (mentefatos e artefatos), pode permitir a superação dos dilemas nos quais estamos todos mergulhados. Isto vincula substancialmente ética e gestão educacional.
Por: Dra. Zita Lago