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Criança de seis anos: educação infantil ou ensino fundamental?


Ao nomear, em 1996, de "Educação Infantil" o trabalho realizado com crianças de zero a seis anos, os legisladores que elaboraram a LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - demonstraram ter consistente conhecimento dos períodos evolutivos da inteligência humana, segundo Jean Piaget, respeitado pesquisador deste assunto.

Se conhecermos esses períodos, poderemos entender o desenvolvimento da inteligência humana e sua influência na formação do comportamento e da personalidade da criança. Daí o acerto de termos a criança de até 6 anos na Educação Infantil e, aos 7 anos, quando entra na

fase das operações concretas, no Ensino Fundamental, como era previsto na LDB. As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças utilizam-se das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa perspectiva as crianças constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, fruto de um intenso trabalho de criação, significação e resignificação.

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da Educação Infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da psicologia, antropologia, sociologia, medicina, etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil, apontando algumas características comuns de ser das crianças, elas permanecem únicas em suas individualidades e diferenças.

O posicionamento legal da LDB trouxe aos profissionais dessa área um grande júbilo por verem reconhecida uma realidade com a qual já se haviam deparado as boas escolas que atendiam a essa faixa etária e que, já usavam essa prática antes da promulgação da LDB, respaldados

nos estudos de Piaget e de outros especialistas. Mas, o júbilo se acabou rapidamente. Nove anos após, as Leis Federais 11.114 e 11.274 desconheceram todo o trabalho de pesquisadores renomados e trouxeram a criança de 6 anos, ainda no período pré-operatório, para o Ensino Fundamental, com todas as exigências desse nível: avaliação formal; trabalho, teste, prova; autoavaliação; boletim; cumprimento do calendário escolar; Conselho de Classe e etc. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, é nesta fase que a linguagem ainda está emergindo, modificações importantes na cognição, na afetividade e na

socialização estão acontecendo e é necessária a atenção especializada e direcionada ao desenvolvimento infantil. Considerando-se as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis anos, a qualidade das experiências oferecidas que podem contribuir para o exercício da cidadania devem estar embasadas nos seguintes princípios:

• o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas, etc.;

• o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil;

• o acesso das crianças aos bens sócio-culturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;

• a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;

• o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade. E, justo nesse momento, ao entrar no Ensino Fundamental, a criança escuta, no primeiro dia de aula: "Agora acabou a brincadeira, agora é sério!", como se tudo que ela vivenciou e brincou, até aquele momento, não tivesse tido importância, não fosse alicerçar todo o seu futuro escolar. Diminuir um ano da Educação Infantil e acrescentá-lo ao Ensino Fundamental, para atender aos interesses ainda não francamente confessados, é fácil, bastam duas Leis Federais. Alterar, no homem, todo o ciclo de etapas de seu desenvolvimento exige séculos de evolução humana. É uma mudança que não se faz por leis, decretos, portarias. Será necessário reformular as condições básicas de ensino, de aprendizado, respeitando o sujeito em questão: a criança.

Por: Luiz Eduardo Rocha Lima