É DE PEQUENO
QUE SE VIRA FERA.

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CRIANÇA NÃO SABE BRINCAR



Eles valorizam mais o brinquedo do que a brincadeira porque só aprenderam a consumir as coisas


O que é mais importante para as crianças: o ato de brincar ou o brinquedo em si?
Num mundo que privilegia o consumo, a resposta imediata poderia ser a de que elas querem brincar, mas, para isso, dependem dos brinquedos.
Pode ser verdade: a todo momento elas pedem brinquedos. Têm montes deles e, mesmo assim, querem mais, mais, sempre mais.
E nós, de bom grado, sempre que possível oferecemos a elas esses mimos. Ah! Como é gostoso ver a cara de felicidade do filho, sobrinho ou neto quando ganha aquele brinquedo que tanto queria.
Brinquedo esse, aliás, que de forma direta e indireta se insinua na vida dos pequenos de todos os modos. Ora porque, por ser a sensação do momento tem e fala sobre ele, ora porque foi visto na vitrine de um shopping e a criança passa a imaginar que a vida sem aquilo não tem graça.
Mas vamos observar uma criança que já tem muitos brinquedos no momento em ganha mais um, justamente o desejado momento. Assim que abre o pacote, é só alegria. Quanto dura a experimentação do brinquedo, a descoberta do que ele pode oferecer, o foco só nele? Quem já se eu ao trabalho de observar, sabe: o intervalo de tempo entre ganhar o brinquedo e abandoná-lo para fazer outra coisa é pequeno. Muito pequeno. Nada proporcional ao tamanho do desejo de possuí-lo manifestado antes. Alguém discorda? Considerando isso , voltemos à pergunta inaugural de nossa conversa de hoje. Talvez a resposta agora possa ser outra, bem diferente: a criança dá valor mais ao brinquedo do que à brincadeira porque não sabe brincar. Criança não sabe brincar?!?
Veja o que me contaram duas mães cujos filhos têm quatro e seis anos. O primeiro, um menino, foi transferido de uma escola de educação infantil em que o aluno só brincava na hora do recreio (à semelhança do ensino fundamental ) para uma em que o aluno brinca o tempo todo. Os recursos usados nessa escola para o brincar são diversos, inclusive a sucata doméstica, que os pais levam para a escola toda a semana.
Dois meses depois de o garoto ser transferido , um drama passou a ocorrer: ele tem crises de choro sempre que a mãe leva sucata para a escola. Ele quer ficar com o lixo, a mãe não entende o porquê. A resposta é simples: a ele aprendeu a brincar com esse material. Agora, valoriza mais o brincar do que o brinquedos.
A historia da outra mãe é semelhante: matriculou a filha de seis anos em um ateliê que coloca as crianças para trabalhar com sucata de todos os tipos. Resultado : agora, em casa, a menina ignora os brinquedos e recolhe a sucata da família para brincar.
Aí está: as crianças do século 21 valorizam mais o brinquedo do que a brincadeira por dois motivos principais.
Conhecemos o primeiro deles , mas nem sempre damos a devida importância: as crianças de hoje são crianças de consumo. Elas consomem os brinquedos, apenas isso.
O segundo motivo também não costumamos valorizar : o fato de a criança não saber brincar por não ter oportunidade para isso. Roubamos das crianças sua infância e, sem infância, como brincar?
Elas costumam ter tempo todo tomado por compromissos, programa de lazer, são pressionadas o tempo todo pelos pais.
Vamos reconhecer : sem tempo livre para nada fazer e com direcionamento direto de adultos, as crianças nunca aprenderão a brincar. É essa vida que desejamos para elas?



Rosely Sayão é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?"(Publifolha)

Folha de São Paulo (16 de Agosto de 2011)